Completaram 60 anos de casados. Tinham contraído matrimônio no que, à época, chamavam de “flor da juventude”. De lá para cá, chegaram os filhos, saíram os filhos para os seus casamentos, vieram os netos, foram-se também os netos, aportaram os bisnetos… Cães e gatos nasceram, coabitaram e morreram.
Ela pensou em tudo isso enquanto tomava uma xícara de chá de jasmim, na manhã fria de inverno. As inimagináveis Bodas de Diamante se completaram. Agora é sobreviver a mais um agosto! Se sentia bem e com saúde. Mas estava preocupada com o seu velho. A cada dia mostrava-se mais esquecido.
Hoje mesmo não pode deixar de sorrir quando ele, desatinado, procurava os óculos que estavam presos na sua camisa. Apontou para ele a localização dos óculos enquanto pensava no quanto amava este homem mesmo depois de tantos anos.
Enquanto colocava os óculos, ele não podia evitar de lembrar que havia encontrado a chaleira sobre o fogo ligado, já sem água. Ela já não se lembra de terminar o que começou a fazer, constatou preocupado. Precisaria ficar de olho.
E assim passavam os dias. Um cuidando do esquecimento do outro. Na noite passada, ele sorriu em frente ao espelho do banheiro, recordando que, discretamente, para não magoá-la, guardou o açúcar - esquecido em um pacote aberto sobre a mesa - no pote.
Na cozinha, por sua vez, ela não conseguia entender como o açúcar foi parar no pote do sal. Estaria tão distraída? Bem, ao menos, ajudara seu velho colocando seus óculos, abandonados na lavanderia, de volta ao estojo na mesinha de centro da sala. Enquanto isso, ele revirava a lavanderia, jurando que tinha deixado seus óculos em cima da máquina de lavar.